1. |
Café
08:07
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Colônia! Teus filhos já estão de pé
Mais um dia se inicia na colheita do café
Pesado é o fardo – e o gosto amargo
Sombras do passado pairam sobre o cafezal
vastos campos, vilas e aldeias
Devastadas jazem sob a imensa plantação
Mágoas que o roçado semeia
Semeia…
Braços baratos, curvados
Em nome de um grão
Pisados, moídos, pilados
No corpo carregam impressas
As farpas, os prantos, os calos
As marcas das veias abertas
Sombras do passado, cantos, vozes ancestrais
Movimentam rios profundos
Brota no silêncio o sopro da revelação
Que faz do grão vermelho o espelho dos mundos
Como se o tempo se abrisse
Na palma da mão
E um arco bordado de fogo
No céu costurou lado a lado
Os elos da eterna cadeia
Presente, futuro e passado
Como quem vê
O horizonte a se alargar
Como quem vê
Que além do monte desagua o mar
Um barco grande leva a dor além
Um cais distante avante marcha um trem
A luz vibrante da capital
À luz de velas um casal
Um café em Paris
Num café em Paris
Feliz! Nada como estar em paz, a sós
Feliz! O universo a conspirar por nós
Perfumada é a flor do bem-estar
Não existe outro lugar, somente agora e aqui
Feliz! Nada como estar a sós, em paz
Feliz! Uma flor, uma canção e nada mais
Lindo instante pra se eternizar
Hoje o mundo se rendeu
Só pra você e eu...
Colônia! Teus filhos já estão de pé
Grãos vermelhos se incendeiam na colheita do café
Ondas de revolta, se levanta o cafezal,
Pela terra e suas riquezas
Bomba contra foice, metralha contra facão
Sangra a insurreição camponesa
Punhos cerrados, tragados
Pra baixo do chão
Sinistra e amarga colheita
Semeada por grão de chumbo
Os elos da triste cadeia
O horizonte além do monte
O mar vibrante, um cais distante
A dor da terra avante a se espalhar
Abrem-se as cortinas no cenário de cristal
O brilho da bandeja rumo à mesa do casal
Um gole, um gosto amargo impossível de engolir
Um gesto de repulsa faz a xícara cair
E a fina porcelana se estraçalha contra o chão
Um rasgo de navalha no veludo da ilusão
E a poça sobre o mármore harmoniza um novo tom
Colônia…
Se espalha pelo chão, o espelho da vergonha
E a mancha no salão por fim completa a cena
Do líquido no chão, revela-se um poema
A flor do bem-estar se rega com o suor da escravidão!
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2. |
O Drama da Humana Manada
07:50
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É logo cedo quando o medo vem pra me lembrar
Que é dia de trabalho!
Nó na garganta o galo canta e lá vou dançar
Atrás de quê? Salário!
Eu penso na fuga mas logo me afogo outra vez
Nesse meu calvário!
Levanta, sacode a carcaça que a dança não pode parar!
Trabalha! Dando corda nessa estúpida engrenagem
Trabalha! Que espreme e esgota a força que te põe de pé
Trabalha! Aniquilando o que é humano, o que é coragem
O que há de errado? O que será? O que que é?
Trabalha! Toda fachada esconde a mesma humilhação
Trabalha! Terra arrasada onde se arrasta a multidão
Vem que tá na hora, não enrola, não demora
Para não ficar de fora da fila do sacrifício
O trem vai rumo ao precipício...
Estamos no vagão, somos a carga, amarga tristeza de boi
Ruminando aquilo que era pra ter sido e não foi
Reféns da mesma trama, o drama da humana manada
A vida é isso camarada?
Começa como dádiva, mas logo vira dívida
Se sobrevive a dúvida,
Algo segue te dizendo que você valia mais
Valia mais, valia...
Mas veja só que ironia!
Ter a pressa de chegar onde não se queria
Sempre pra lá e pra cá maldito dia a dia
O espírito no fosso, a fossa, eita vida de cão essa nossa!
Malandro é o cavalo marinho que se finge de peixe pra não ter que puxar carroça...
Não! Pera lá... Trabalha, espera, que quem trabalha prospera e quem espera sempre alcança. Não desespera, depois da tempestade vem sempre a bonança. Trabalha, espera e confia, pois a tua estrela ainda vai brilhar um dia!
Um brinde à meritocracia!
E o banquete quem serve? O palacete quem ergue?
De quem o sangue ferve? Ferve!!!
Caraca moleque! Segura aí que é hora de pisar no breque!
Despedaçado, parcelado vai teu coração
Que é uma ferida aberta!
Se debatendo alucinado exposto num balcão,
Entre a demanda e a oferta!
Quem dá mais? Tanto faz, guerra é paz, liberdade é escravidão
E o trabalho liberta!
Sem trauma, entrega tua alma com calma, na palma da mão do patrão
Trabalho! Dando corda nessa estúpida engrenagem
Trabalho! Que espreme e esgota a força que te põe de pé
Trabalho! Aniquilando o que é humano, o que é coragem
Há algo errado e você sabe o que que é!
Trabalho! Te corroendo por dentro essa frustração
Trabalho! O teu demônio patrimônio do patrão
Trabalho! Toda fachada esconde a mesma humilhação
Terra arrasada onde se arrasta a multidão!
Trabalho! E lá vou eu!
Trabalho! Até morrer!
Trabalho! Sente a vida escorrer pela palma da mão
Trabalho! Já que não há remédio
Trabalho! Ódio, nojo, tédio
Terra arrasada!
Caminha por entre fantasmas, com blocos de pedras nos ombros
Ossadas de escravos, escombros, escombros
São séculos, ciclos na insana espiral
E o peso nas costas permanece igual!
Eis que, diante de ti, ergue-se a monstruosa pirâmide... Contempla, contempla errante animal
Bem-vindo ao deserto do real!
Até quando suportar?
Sustentar essa grande mentira
Pois é, a verdade é indigesta
Quem sustenta essa festa é o suor da tua testa.
Até quando suportar?
Sustentar essa grande mentira
Pois é, de tudo que eu faço
Não me sobra pedaço e ainda sigo no compasso…
Haja coragem!
O fogo, ele agoniza mas não morre
Aja! Coragem!
Se a chama se organiza o que que ocorre?
Reaja! Coragem!
O fogo, ele agoniza mas não morre não
Haja coragem!
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3. |
Carlos e Tereza
04:08
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Mas tu tem que lembrar – com orgulho!
25 do mês de julho!
A força que enfrenta o medo
Pendendo de um arvoredo
Mas teu nome há de ecoar
No condomínio e na favela
Teu nome há de ecoar
Na avenida e na viela
Teu nome há de ecoar que eu vou levar
Na cidade, no campo, na rua ou na cela
Teu nome há de ecoar…
Mas tu tem que lembrar – eu me lembro!
Do dia 4 de novembro!
O sonho que o medo ofusca
Sangrando dentro de um fusca
Mas teu nome há de ecoar
No condomínio e na favela
Teu nome há de ecoar
Na avenida e na viela
Teu nome há de ecoar que eu vou levar
Na cidade, no campo, na rua ou na cela
Teu nome há de ecoar…
Mas teu nome há de ecoar – Há de ecoar que eu vou levar!
Na cidade, no campo, vidraça de banco, na rua ou na cela
Teu nome há de ecoar…
Mas teu nome há de ecoar – Há de ecoar que eu vou levar
Em cada esquina, viela, quebrada, em toda barricada que não vai faltar
Teu nome há de ecoar…
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4. |
O Monge e o Executivo
08:55
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O mercado é como a guerra, só os mais sábios vão além
O ocidente enfim desperta e flerta com a filosofia zen
Foi um gerente iluminado pela semente da inovação
Calculou que o espírito elevado dinamiza a produção
Jornadas de 14 horas ao som de mantras do Tibet
Assim a raiva se controla, então o império segue em pé
Após o expediente, convoca-se a meditação
No pleno equilíbrio da mente a gente sente gratidão
Caminhando sobre as brasas dos cadáveres no chão
Sinta a mente esvaziada, toda dor é uma ilusão
Levitando junto aos fluxos das ações em ascensão
O desapego purifica a aura da especulação
Meditando atrás de bem-estar, enquanto financia a dor
Hoje eu canto pra acabar com toda paz interior
O executivo quer ser zen, o monge ensina como faz
Mente concentrada, renda concentrada
Da grana emana a pura paz
Um honorável self-made man, busca elevação mental
Maravilhoso é o seu know-how, mantra que o lucro atrai
Mas todo império um dia cai…
Lideranças empresariais, seguem a lição dos samurais
Autoajuda vem dos manuais, chuva de clichês orientais
Misturando artes marciais com os ideais neoliberais
Para aniquilar os seus rivais no mercado de capitais
Nada é por acaso, não existem coincidências
Algo em outro plano une as nossas consciências
A cada passo, a cada gesto, em todo paradeiro
Age uma força maior…
DINHEIRO!
Tô ligada neles, tô atenta e já notei que na verdade eles tão simulando / Te chamam colaborador pra omitir que na real eles tão te explorando / Pessoas elevadas aumentaram o lucro e aumentaram a concentração / Dieta natural, evita comer carne só que bebe o sangue dos irmão
Executivo zen do bem que desapega de tudo que é material / Compra roupa cara e fala da empregada se a camisa ela lava mal / Comida processada, câncer enlatado, comprei carne sabor papelão / O magnata da indústria vende lixo comestível pra população
Esse é o segredo do cash / Kakashi, fala baixo porque eles estão meditando / Luxo made in Bangladesh / Bem oriental, um fake ao estilo branco / Yoga na moda da elite / O opressor busca equilíbrio e bem tranquilo explora, controla, oprime, violenta o povo do Haiti.
Ritual ocidental de apropriação da cultura, larga a bomba em Nagasaki, depois faz acupuntura / Essa culpa não tem cura nem nunca haverá perdão / Chegaram os ratos pra roer com o Feng Shui da mansão
Porque nos túneis debaixo do chão chora a lembrança / Sobre a chuva de napalm na pele de uma criança / Pra essa culpa não tem cura, nem nunca haverá perdão / Segura que agora é hora da tua purificação
Já não vai dormir em paz, o honorável self-made man
A insônia lhe corrói, a Babilônia rói,
É que a cerimônia tá pra começar!
O executivo quer ser zen, o monge ensina como faz
Pega querosene, não corre nem treme
Taca fogo nessa falsa paz
Para honrar quem lenha pra tua fornalha foi,
Lenha pra tua fogueira eu serei…
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5. |
Chama Negra
03:38
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Chama! Mulher negra é força e clama
Pelos nossos, pelos seus e ama do mais profundo ser
Chama! Mulher negra é brasa acesa, inflama
Vem alumiar o breu e trama a densa manta dos sonhos meus
Canta! Invade o peito o corpo todo exclama
De todo grito ainda se faz bonança
Pra aliviar os olhos meus
Canta! Invade o peito o corpo todo exclama
Pois dia a dia a força se agiganta
E faz girar o mundo meu
Chama! Mulher negra é força e clama
Pelos nossos, pelos seus e ama do mais profundo ser
Canta! Invade o peito o corpo todo exclama
De todo grito ainda se faz bonança
Pra aliviar os olhos meus
Canta! Invade o peito o corpo todo exclama
Pois dia a dia a força se agiganta
E faz girar o mundo meu
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6. |
Trovoada
08:20
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A árvore quando é cortada
Chora e sofre de tal maneira
Pois vê que o machado que sangra o seu tronco
Também é feito de madeira
Reina a dor, reinador…
Reina reinador, canta o sabiá
A maré virou, tempo vai fechar
Quilombo ensinou, tá pra anunciar
Chicote voltou no lombo de quem mandou dar
Eu vi a luz do rei
Eu vivia a lustrar a espada do rei
A espada do rei, do fio afiado, que fere o escravo, o servo e o plebeu
Que são meus irmãos, que sou eu
Pra cada tronco um machado
Bem-vinda revolta cresce
Se quem bate mal se lembra
Quem apanha nunca esquece
Quem tombou pela cor?
Pela cor, quem tombou?
Quem sangrou pela cor?
Pela cor, quem sangrou?
É pra quem tombou, tambor vai tocar
Sangue que irrigou, pode envenenar
Quilombo ensinou, tá pra anunciar
Quem sempre falou, hora de calar
Quem diz que não, é sim, é sim…
Quem diz e jura que não vê cor, é sinhá, é sinhô
Eu sei que tem cor a mão que sangrou,
Sangrou no tambor de tanto tocar
Tocar pro sinhô, tocar pra sinhá
De que lado que eu tô? De que lado cê tá?
Nessa dança…
Reinador, reinador…
A maré tá subindo…
Eu tava dormindo
Nuvem negra trovejou
“Levanta meu povo”
Foi assim que ela falou
Eu tava dormindo
Quando a chuva começou
A mágoa se fez pranto
Em água se transformou
As água foi caindo
Feito lágrima de amor
“Levanta meu povo, cativeiro acabou”
Eu tava dormindo
Nuvem negra me acordou
Machado!
Quer nada…
Se tu quisesse paz, tu ia querer também a liberdade, mas tu treme só de pensar
Tu prefere o controle dos corpos
Se quisesse paz, ia querer também ficar em silêncio, mas tu é tiro, é porrada e é bomba
É tanque de guerra na praça
Tu quer é calar o outro, pra tua voz se destacar ainda mais
Tu quer ter mais que o outro, às custas do outro e quer que o outro não reclame
A tua paz, doutor, é pisar no de baixo e não ouvir o grito
Quer paz porra nenhuma!
Tu só não quer é ser incomodado
Tu quer a ordem, que é um tapete muito limpo
Sobre um mar de sangue no assoalho
Tu quer é instaurar o caos pra inventar a pílula da salvação
Tu quer os peitos comprimidos, pra melhor vender comprimidos pra dor
Mas deixa eu te falar uma coisa?
O povo, essa massa que tu olha e não vê cara
Essa força que arrepia quando chega na Central às seis da tarde
O povo foi forjado no caos
Diz pra mim...
Quem é que tem medo do caos?
Quem tem medo do caos é você
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7. |
Incêndios
04:20
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Se a raiva se esvai em vão
Sem laço, sem chão, sem voz
Marcha veloz rumo ao abismo
Se a vida atropela, então
O que há de melhor em nós
Um passo atrás talvez revele outro caminho
Escreve a frase no espelho, pra que se confunda com teu próprio rosto e cada olhar sobre si mesmo traga à boca o gosto. Não esquecer!
Um corpo que cai do penhasco, engana-se como convém
Ao longo da queda, repete pra si: “até aqui tudo bem”
Lá, onde dorme a chama
Quero ir lá, onde cala a voz
Por baixo das máscaras, do peso que esmaga, mesmo desfigurada a vida ainda pulsa e estende o braço
Abra espaço!
Não há solução dentro do teu conforto!
Não há solução sem um passo atrás!
Vela a passagem do tempo
Pesa o que se desperdiça
O que se fez do teu canto, que já não mais expressa espanto e cala conivente enquanto a vida grita
Abre o sentido da angústia
Ao drama da dor coletiva
Sopro da chama que acende, em meio à farsa não se rende, um aviso de incêndio indica uma saída
Desce até a origem das coisas, encara a ferida que liga a desgraça a você
Tece, com raiva e paciência, as tramas da fuga pra além dos pulmões do poder
Jura vingança ao massacre, cultiva a recusa e abraça aqueles que estão sempre a contravento em contramão
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